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Minhas
Senhoras e Meus Senhores,
Notícias de minha infância, transcorrida em parte
na Rua do Príncipe no início dos anos 50, dão
conta de que manifestara o desejo de ser bombeiro. Adiante,
a vocação religiosa me colocou num seminário.
Doença grave me afastou da batina, dos livros e dos estudos,
mas não me afastou de Deus.
Voltei para a cidade, para os remédios e para a vigilância
da mãe Heliete e da vó Licota. De família
não abastada, rápido fui para o mercado de trabalho.
Comecei onde começam os sem estudo, como rapazote de
serviços gerais. Começaram a elogiar o que escrevia
no modesto jornal da empresa, a Companhia Antarctica Paulista,
nos idos de l964 a 1968, e acabei como auxiliar de redação
do jornal do meio dia da rádio Nereu Ramos, em Blumenau.
Estávamos então em março de 1968. Em dezembro
do mesmo ano, quase no mesmo dia 13 em que os militares editavam
o Ato Institucional número 5, iniciava minha carreira
em jornal. Ainda em Blumenau, mas já em A Notícia.
De lá para cá, foram 37 anos de catar letrinhas,
de escrever, de editar, de escolher, de opinar. De ceder à
emoção, cultivar o lirismo, espalhar a esperança,
azedar o caminho de muitos, despedaçar, talvez, a esperança
de outros. Jornalismo é uma profissão ingrata,
veloz, mas sempre, apaixonante. E fui feliz na profissão
que me escolheu, pois dela nasceu outra vocação
em novo ramo, talvez mais nobre, mais silencioso, mas igualmente
fascinante, a História.
Em 1977, depois de quatro anos com Pedro Ivo na prefeitura e
de briga feia com A Notícia, me refugiei na biblioteca
pública, num espaço que chamávamos de Arquivo
Histórico. Atolado, literalmente, em papéis e
livros, enquanto o prefeito Luiz Henrique negociava o acervo
de Carlos Ficker, finalmente reconquistado por Joinville naquela
época, recebi a sugestão de que poderia escrever
um livro sobre Joinville. Estava, então, no último
ano do curso de História e me coloquei a trabalho.
Curioso é remontar, anos depois, como os fatos se encaixam
para explicar os roteiros diferentes que a própria vida
se encarrega de nos servir. Estava lá às voltas
com a leitura do magnífico livro de Carlos Ficker, quando
um senhor instalou-se na biblioteca para a leitura de jornais.
Trocamos dois dedos de prosa e no terceiro dia ele estava a
me dar lições de como, afinal, escrever um livro.
O cidadão era ninguém menos do que o historiador
Creso Coimbra, militar afastado em l964, e autor de vasta e
premiada obra. Ele me ensinou o caminho das pedras, de forma
que a "História de Joinville, uma abordagem crítica",
estava pronta já em l979. A ele, saudoso Creso, prestei
homenagem na publicação do livro, como, ainda,
ao igualmente saudoso jornalista Osvaldo Silva, que me estimulou
na juventude a ingressar no jornalismo.
Abençoado por bons mestres, sai pela vida a fazer reportagens,
escrever crônicas, artigos e editoriais. Nas horas livres
fui produzindo outros livros. Em menos de trinta anos, colecionei
como autor mais de duas dezenas. Quase todas dedicadas a Joinville,
e até mesmo a única obra de ficção,
tem como chão o chão da minha terra.
Escrever livros de história é seguir poucas regras:
disposição para milhares de horas de leitura;
fôlego para escrever centenas de páginas com encadeamento,
síntese e brilhantismo e ânimo para enfrentar,
depois da obra publicada, o silêncio mortal de quase todos.
E ainda assim, seguir para o próximo. E para o próximo,
sempre com o entusiasmo da primeira vez e com a paixão
fervente de que simplesmente é impossível viver
sem aquilo. Aquilo é a longa viagem em torno de um tema.
Que fascina, nos aprisiona, nos escraviza. A longa viagem que
nos ocupa de forma quase absoluta, que nos faz esquecer o tempo,
que nos afasta o cansaço, que nos estimula a continuar.
Um livro não é um filho, como dizem. Um livro
é uma aventura fantástica. Para quem escreve e
para quem o lê.
Minhas Senhoras, meus Senhores,
Senhores Vereadores,
Permitam-me, neste momento de tanto significado e emoção,
falar também de jornalismo. Venho de um tempo em que
o jornalismo ainda era uma profissão marginal. Não
mais romântico e delirantemente político como nos
anos 30, 40 e 50, mas já ensaiava, em Santa Catarina,
no início dos anos 70, um tom mais profissional. Jornalistas,
contudo, ainda eram os homens inclinados às letras, chegados
aos livros, capazes de redigir artigos imediatos, sob o impacto
dos acontecimentos. Nada, absolutamente, que se compare aos
tempos atuais. Vivi, e já sou dos últimos, a época
do chumbo derretido, da oficina cheia de graxa e tinta, das
ramas de paginação, da revisão ortográfica
rígida de gramáticos "chatos" e de óculos
e olhares pesados.
Os tempos eram outros, as dificuldades também. Além
da censura, do medo e da dúvida, tínhamos que
nos esforçar para sobreviver no fio da lâmina.
E tínhamos, então, num grupo histórico
de A Notícia, a noite e a energia da juventude para espantar
fantasmas e caçar ilusões. Belas e delirantes
noites. De conversa nervosa, amores relâmpagos e bebida
farta. Tempos maravilhosos, de qualquer forma.
Agora, quase três décadas passadas e cerca de 9
mil editoriais publicados, o jornalismo é ainda mais
imediato, mais emocionante e muito, muito mais exigente. Orgulho-me
não apenas de ocupar por mais tempo o cargo de editorialista
de A Notícia em todos os seus 82 anos, superando o recorde
de Heráclito Lobato, que também esteve na mesma
função por quase 20 anos. É possível
até que não haja, no momento, um jornalista no
país que tenha permanecido tanto tempo na mesma função.
Duas décadas e meia de editoriais, desde junho de l979,
à exceção de alguns afastamentos temporários.
A Notícia se reergueu desde l978, capitaneada por Moacir
Thomazi e uma grande equipe de colaboradores e jornalistas.
Quando lá cheguei, em l968, não tínhamos
profissionais formados em curso superior, o que hoje é
exigência legal. Agora somos mais de 130, espalhados por
todo o Estado e o jornal resgatou integralmente o prestígio
notável que usufruía até l944, ano de morte
do fundador Aurino Soares.
O jornalismo agora é produzido em ritmo "on line",
ou seja, em linha aberta, simultâneo com a notícia.
Tudo obedece ao ritmo louco da globalização e
o jornal renasce a cada amanhecer cheio de reportagens, de fotos
coloridas, de mapas e gráficos, com textos sobre economia,
educação, esportes, cultura, política,
etc. etc. Daqui ou de qualquer lugar do planeta onde estiver
a notícia que interessa. Das bombas de Londres, às
cuecas cheias de dinheiro nos aeroportos do país ou às
malas milagrosas do mensalão de Brasília. E é
sobre isso que trabalhamos todos os dias, na mesma velocidade
dos fatos. É, confesso, ainda mais interessante do que
já era, lá nos idos de l970!
Senhores vereadores,
Sois muito generosos ao me concederem o título de "Cidadão
Benemérito". Fiz o que faria qualquer outro nas
minhas circunstâncias, pois como escreveu Ortega y Gasset,
"eu sou eu e minhas circunstâncias". Se contribui
para a história e para a memória da minha cidade,
agora sabeis como e porque. Nada foi planejado, mas tudo exigiu
disciplina, esforço e silêncio. Muita disciplina,
persistente dedicação. E se a Câmara me
premia com tão honrosa condecoração, que
me enche de orgulho e vaidade, preciso reparti-la com os meus,
que tanto me ajudaram o tempo todo.
Queria repartir com a Rita, essa maravilhosa mulher, musa inspiradora
e leal companheira de todas as horas, que viu nascer cada uma
das minhas obras. Com ela, sempre, se mantém pleno e
maduro um amor construído pela mútua admiração
e carinho. Repartir ainda com o Thiago e a Bruna, nossos filhos,
duendes encantados do jardim da nossa felicidade. A família
sempre será o porto seguro de todos nós.
Desejo manifestar minha especial gratidão ao Vereador
Darci de Matros, autor da proposição desta generosa
honraria, assim como a cada um dos senhores vereadores, inclusive
os da legislatura passada, quando foi aprovada essa homenagem,
que não hesitaram em premiar um modesto jornalista com
título tão nobre quanto honroso.
Tenho particular orgulho, junto com o colega Herculano Vicenzi,
de ser autor de um livro sobre a história do Legislativo
de Joinville. O nosso tempo, sabemos todos, são difíceis
para os homens públicos, mas estejam certos, Vossas Senhorias
continuam sendo, ao lado de outras instituições
- como a família e a imprensa - os esteios da nossa democracia.
Justamente porque atuam aqui, no município, onde vivem
os cidadãos. A política, a exemplo de quase todas
as demais atividades em que se envolve o homem neste início
ainda de século, também enfrenta sua crise de
identidade e também padece das limitações
próprias do gênero humano. Mas é preciso
não esmorecer e continuar, muito além de onde
a maioria desiste ou sucumbe.
Política, jornalismo e história constituem a melhor
tríade de toda a minha carreira profissional. Primeiro
porque somos animais políticos, como disse Aristóteles
nas proximidades do surgimento da democracia e depois porque
não há como isolar jornalismo e história
da política. Ela é a essência da História,
assim como é o centro vital do jornalismo, cujo primeiro
e único mandamento é a busca da verdade, da justiça
e da solidariedade.
Senhores Vereadores,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Nascido aqui, estudioso permanente de nossa história,
já posso considerar-me um "cidadão joinvilense
integral".
Os deuses foram bondosos e os homens generosos para comigo.
Mais do que uma honra, isso é uma dádiva!.
Obrigado Joinville!
(Discurso
de Apolinário na solenidade de Cidadão
Benemérito, 1º/08/2005)
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